Excêntrica Lenta: O Que a Ciência Diz e Como Aplicar na Prática

A literatura científica não sustenta a superioridade da excêntrica lenta para hipertrofia — mas revela aplicações valiosas em controle motor, tendinopatias e prevenção de lesões.

por Rafa Lund9 min de leitura
Excêntrica Lenta: O Que a Ciência Diz e Como Aplicar na Prática
Sumario

Introdução

A orientação para executar a fase excêntrica de forma lenta é uma das mais disseminadas na prescrição de treino. A lógica parece sólida: maior tempo sob tensão geraria maior estímulo mecânico e, consequentemente, maior resposta hipertrófica. No entanto, a literatura científica dos últimos anos tem desafiado essa premissa — ao mesmo tempo em que revela aplicações valiosas da excêntrica controlada em contextos que vão além da hipertrofia.


O Que as Meta-Análises Mostram Sobre Hipertrofia

A revisão sistemática de Schoenfeld, Ogborn e Krieger (2015) permanece como referência fundamental nessa discussão. Analisando 8 estudos, os autores concluíram que durações de repetição entre 0,5 e 8 segundos produzem resultados hipertróficos similares. Criticamente, tempos muito lentos (acima de 10 segundos por repetição) mostraram-se inferiores para ganho de massa muscular.

A meta-análise mais recente de Amdi e King (2025), publicada no Journal of Sports Sciences seguindo diretrizes PRISMA/Cochrane, reforçou essa visão com 9 estudos e 166 participantes. A conclusão foi direta: os resultados para hipertrofia são "muito incertos para inferir presença ou ausência de efeitos praticamente relevantes". Para força, em participantes treinados ou estudos com volume equiparado, durações excêntricas mais longas podem produzir ganhos similares ou superiores. Já para salto vertical, excêntricas mais curtas (1-2s) produziram melhorias maiores comparadas a durações de 4-6 segundos.

A revisão de Hackett et al. (2018) identificou um padrão adicional: a resposta hipertrófica pode ser músculo-específica. Três estudos demonstraram maior hipertrofia do quadríceps com tempos moderados-lentos, enquanto dois estudos mostraram maior hipertrofia do bíceps braquial com tempos rápidos.

A revisão de Wilk et al. (2021) na Sports Medicine consolidou esses achados e destacou um ponto metodológico crucial: a maioria dos estudos não equipara adequadamente o volume entre condições, dificultando conclusões definitivas sobre o efeito isolado do tempo de execução.


O Estudo de 2025 no Agachamento: Nuances Importantes

O estudo de Kojic, Mandic e Duric (2025), publicado na Frontiers in Physiology, merece análise detalhada por ser frequentemente citado como evidência favorável à excêntrica lenta.

O desenho experimental avaliou 18 participantes não-treinados durante 7 semanas de agachamento, comparando tempo excêntrico rápido (1/0/1/0) versus lento (4/0/1/0). Os resultados foram parcialmente positivos para a excêntrica lenta, mas com nuances que mudam a interpretação.

A área de secção transversa total do quadríceps aumentou significativamente em ambos os grupos, sem diferença estatística entre eles. Porém, o vasto lateral especificamente apresentou hipertrofia significativamente maior no grupo com excêntrica lenta (ES = 1,74 vs 1,37). A força máxima (1RM) também melhorou mais no grupo lento (ES = 1,60 vs 0,99).

A implicação prática é clara: a excêntrica lenta pode modular a distribuição regional da hipertrofia, mas não necessariamente produz maior massa total. É uma ferramenta de direcionamento, não uma estratégia universalmente superior.


Estudos Favoráveis Versus Desfavoráveis

Evidências favoráveis à excêntrica lenta

Assis-Pereira et al. (2016) demonstraram que excêntrica de 4 segundos produziu maior aumento da AST do bíceps comparada a 1 segundo em homens treinados após 8 semanas. Azevedo et al. (2022) encontraram maior crescimento do vasto medial com 4 segundos versus 2 segundos de excêntrica, embora a hipertrofia total do quadríceps fosse similar. Diniz et al. (2022) mostraram que excêntrica prolongada combinada com concêntrica encurtada resultou em maior hipertrofia do vasto medial e lateral.

Evidências contrárias

Shibata et al. (2021) avaliaram jogadores de futebol universitário durante 6 semanas de agachamento e não encontraram diferença na AST muscular — o grupo com tempo rápido mostrou maiores ganhos de 1RM. Mike et al. (2017) também não encontraram diferenças significativas em hipertrofia com agachamento. Pearson et al. (2022) observaram que excêntrica de 1 segundo produziu aumentos marginalmente maiores na espessura do quadríceps comparada a 3 segundos em homens treinados.

Síntese

A literatura indica que excêntricas entre 2-4 segundos produzem resultados hipertróficos similares a velocidades mais rápidas (1-2 segundos), desde que ambas sejam controladas. A resposta pode variar entre grupos musculares. Excêntricas muito lentas (acima de 6-8 segundos) podem prejudicar o volume de treino sem benefício adicional.


Mecanismos Fisiológicos: Por Que a Teoria Nem Sempre Se Confirma

A relação força-velocidade apresenta um problema conceitual: contrações excêntricas rápidas podem gerar maior pico de força mesmo com menor tempo sob tensão. O princípio do tamanho de Henneman determina que unidades motoras são recrutadas baseado em requisitos de força, não simplesmente pela velocidade lenta. Diminuir artificialmente a velocidade com cargas submáximas pode não recrutar unidades motoras de alto limiar até que fadiga suficiente se acumule.

O estudo agudo de Burd et al. (2012) demonstrou que maior tempo sob tensão (6/0/6/0) aumentou a síntese proteica miofibrilar em 24-30h de recuperação. No entanto, estudos de treino "superslow" comparando-o a tempo tradicional — ambos até falha — não demonstraram benefício do maior TUT. O tempo tradicional produziu hipertrofia similar ou superior apesar de TUT substancialmente menor.

O achado de Martins-Costa et al. (2022) é esclarecedor: quando o tempo sob tensão é devidamente equiparado entre condições, a hipertrofia e os ganhos de força são similares independentemente do tempo de execução. O TUT importa, mas não é a variável mágica que justifica prescrever excêntrica lenta como regra.


Além da Hipertrofia: Onde a Excêntrica Lenta Tem Evidência Forte

Controle Motor e Aprendizagem

Este é um aspecto frequentemente ignorado nas discussões sobre tempo de execução. Para alunos em fase de aprendizagem, com dificuldade de conexão mente-músculo ou que precisam refinar a técnica, a excêntrica controlada funciona como ferramenta pedagógica. Compensações ficam evidentes quando a execução é lenta — o aluno não consegue "esconder" o que está fazendo errado.

Nem toda orientação de tempo visa maximizar resultado. Às vezes o objetivo é ensinar, desenvolver consciência corporal, ou simplesmente garantir que o aluno entenda onde está o músculo trabalhando.

Saúde Tendínea e Tendinopatias

Aqui a evidência é robusta. O Protocolo Alfredson para tendinopatia de Aquiles é tratamento conservador de primeira linha há mais de duas décadas. Meta-análise de 2023 confirmou que exercício excêntrico é mais efetivo que outras modalidades para tendinopatia de Aquiles de porção média. Seguimento de 5 anos mostrou escores VISA-A aumentando de 49,2 para 83,6 e redução mantida da espessura tendínea.

Para tendinopatia patelar, tanto treino excêntrico quanto Heavy Slow Resistance (HSR) demonstram melhorias significativas. As adaptações tendíneas requerem carga ≥70% 1RM para mudanças nas propriedades mecânicas, com aumento da síntese de colágeno tipo I e melhoria do alinhamento das fibras colágenas.

Prevenção de Lesões

O Nordic Hamstring Exercise é o exemplo mais bem documentado. Meta-análise de van Dyk et al. (2019) com 8.459 atletas demonstrou 51% de redução na taxa de lesões de isquiotibiais. Revisão guarda-chuva de 2024 consolidando 10 revisões sistemáticas confirmou a efetividade tanto para prevenção quanto para performance. As adaptações incluem aumento de 1,9-2,2cm no comprimento fascicular e aproximadamente 27% de aumento na força excêntrica.

Reabilitação Pós-Cirúrgica

Estudo de 2023 com atletas em reabilitação pós-reconstrução de LCA comparou 6 semanas de treino excêntrico versus tradicional. O grupo excêntrico mostrou resultados superiores em força isométrica (ES = 2,51), desempenho no CMJ (ES = 2,23) e taxa de retorno ao esporte de 55,6% versus 27,8%.

Populações Idosas

O treino excêntrico oferece vantagens únicas para idosos: baixa demanda metabólica (contrações excêntricas utilizam ATP mínimo), maior geração de força com menos fadiga. Revisão de 2017 caracterizou o paradigma do "trabalho negativo" como capaz de aumentar dramaticamente tamanho e força muscular em idosos. Revisão de 2023 reforçou a viabilidade e benefícios para atividades da vida diária, especialmente descida de escadas.


Como Aplicar no TreinoAI

Entendendo o Tempo de Execução (Cadência)

O tempo de execução é representado por 4 números que indicam a duração de cada fase da repetição, sempre na mesma ordem: excêntrica / pausa no alongamento / concêntrica / pausa na contração.

Por exemplo, um tempo 3/1/1/0 significa: 3 segundos na fase excêntrica, 1 segundo de pausa na posição alongada, 1 segundo na fase concêntrica, sem pausa no topo. Já um tempo 4/0/X/0 indica 4 segundos de excêntrica, sem pausa, concêntrica explosiva (o "X" representa intenção de velocidade máxima), sem pausa.

No TreinoAI, você pode especificar a cadência desejada nas notas do exercício. Isso permite individualizar a prescrição conforme o objetivo: aprendizagem motora, ênfase em controle, manejo de desconforto articular, ou simplesmente aumento do tempo sob tensão.

Como a IA Capta as Nuances da Cadência

Prescrever uma excêntrica mais lenta tem consequências diretas na performance que a IA do TreinoAI identifica automaticamente. Com a mesma carga, o aluno pode completar menos repetições do que faria com tempo normal, ou pode reportar um RPE/RIR significativamente maior. Na segunda semana, a IA já reconhece essa alteração como um padrão — não como falha ou regressão — e ajusta a progressão de acordo.

O mesmo princípio se aplica quando você altera a ordem dos exercícios. Se um exercício principal como supino reto com barra sai da primeira posição e vai para terceiro ou quarto da sessão, duas coisas podem acontecer: o aluno diminui a carga por conta da fadiga acumulada, ou mantém a carga e faz menos repetições com RPE/RIR muito superior ao habitual. A IA capta essas nuances e utiliza os dados para fornecer prescrições cada vez mais precisas.

Essa é a diferença entre uma planilha estática e um sistema inteligente. O TreinoAI não apenas registra o que foi feito — ele entende o contexto e aprende com cada sessão para otimizar a prescrição do seu aluno.


Conclusão: Ferramenta, Não Regra

A excêntrica lenta não é comprovadamente superior para hipertrofia — mas isso não diminui seu valor como ferramenta. A ciência nos dá respaldo para utilizá-la em contextos específicos: aprendizagem motora, manejo de tendinopatias, prevenção de lesões, reabilitação e trabalho com populações especiais.

O profissional que entende essas nuances prescreve com intenção, não com receita. E com o TreinoAI, essas decisões se traduzem em dados que a plataforma utiliza para refinar continuamente a prescrição — transformando sua expertise em resultados mensuráveis para o aluno.