Frequência de Treino de Força: Quantas vezes treinar cada Músculo por Semana?

O que a ciência realmente diz sobre treinar um músculo uma, duas ou mais vezes por semana — e por que a resposta pode ser mais simples do que você imagina.

por Rafa Lund11 min de leitura
Frequência de Treino de Força: Quantas vezes treinar cada Músculo por Semana?
Sumario

Durante décadas, uma verdade dominou as academias: depois de treinar um músculo, você precisava esperar de 48 a 72 horas antes de estimulá-lo novamente. Menos que isso seria overtraining. Mais do que isso seria perda de tempo. Essa regra moldou gerações de programas de treinamento e criou o modelo clássico de divisão bodybuilder — peito na segunda, costas na terça, pernas na quarta, e por aí vai.

Mas será que essa verdade absoluta realmente se sustenta quando olhamos para as evidências científicas?

Quando falamos sobre frequência de treino, precisamos distinguir duas coisas diferentes. A primeira é a quantidade total de sessões que o cliente faz por semana. A segunda é a quantidade de vezes que estimulamos cada grupo muscular específico. Essa distinção é fundamental porque, na prática, o número de dias que alguém treina por semana geralmente é determinado pela disponibilidade de tempo — e isso nós não controlamos. O que controlamos é como distribuímos o volume ao longo desses dias.


O Pressuposto Teórico Clássico

A lógica por trás da regra das 48-72 horas parecia sólida. Se eu dou um estímulo intenso para o músculo, ele precisa se recuperar antes do próximo. Se não der tempo suficiente, o músculo não se recupera, não gera supercompensação, e entra num ciclo de fadiga acumulada. Fazia sentido.

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Essa ideia estava conectada a outro pressuposto que já discutimos antes: a crença de que o dano muscular era a causa do crescimento. Se eu "arrebento" o músculo numa sessão, preciso dar tempo para ele se reconstruir maior e mais forte. Por isso os programas clássicos de bodybuilding concentravam 15, 20, às vezes até 25 séries para um único grupamento em uma única sessão semanal.

O problema é que, como vimos no artigo sobre intensidade de esforço, o dano muscular é uma consequência do treinamento, não a causa primária da hipertrofia. A causa é a tensão mecânica — colocar o músculo sob uma carga que ele não está acostumado. Quando entendemos isso, a lógica da frequência começa a mudar.


A Hipótese que Abriu Minha Mente

Em 2017, um pesquisador chamado Jeremy Loenneke publicou um estudo que mudou minha forma de pensar sobre frequência. Não era um ensaio clínico testando uma hipótese — era algo mais provocativo. Ele estava levantando uma questão baseada em evidências fisiológicas que já existiam.

O argumento era o seguinte: nosso corpo tem um limite anabólico por sessão. Depois de 3 a 5 séries para um grupamento, a elevação da síntese proteica muscular atinge um platô. Qualquer volume adicional não vai gerar maior incremento nessa síntese — vai apenas gerar mais fadiga, mais dano, e consequentemente mais tempo de recuperação necessário.

Loenneke trouxe dados sobre a cinética da síntese proteica. Em pessoas treinadas, o pico acontece entre 5 e 8 horas após o exercício, e em 10 a 12 horas já começa a haver redução significativa. Em pessoas destreinadas, esse pico demora um pouco mais (15 a 20 horas), mas o padrão é similar: a síntese proteica não fica elevada por uma semana inteira.

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Se isso é verdade, por que concentrar todo o volume em uma única sessão semanal? Se a síntese proteica volta ao normal em menos de 48 horas, um músculo treinado apenas uma vez por semana passa aproximadamente 5 a 6 dias sem nenhum estímulo anabólico ativo.

A proposta era simples: e se distribuíssemos o volume em mais estímulos menores ao longo da semana? Teoricamente, isso aumentaria a área sob a curva de síntese proteica — mais dias com o músculo em estado anabólico, menos fadiga acumulada por sessão, menos tempo de recuperação necessário entre os treinos.


O Que as Evidências Mostraram

Depois de 2017, vários estudos foram publicados testando exatamente essa hipótese. E os resultados foram surpreendentes — não porque confirmaram que alta frequência é superior, mas porque mostraram algo ainda mais importante.

Um dos primeiros estudos relevantes foi publicado por pesquisadores brasileiros, incluindo Rafael Zarrone. Eles compararam um grupo que treinava no modelo Full Body (todos os grupamentos todos os dias, cinco vezes por semana) com um grupo que treinava no modelo Split tradicional (cada grupamento uma vez por semana com alto volume). O volume semanal total era equalizado entre os grupos.

Os resultados mostraram uma tendência a favor do grupo Full Body em várias medidas, embora nem todas as diferenças tenham sido estatisticamente significativas. Mas algo interessante apareceu nos dados secundários: o grupo Full Body conseguiu realizar mais volume total efetivo. Quando você distribui as séries, consegue manter melhor qualidade em cada uma delas. Se eu faço 5 séries de agachamento num único dia, as últimas séries já estão comprometidas pela fadiga. Se distribuo essas mesmas 5 séries em dias diferentes, cada série tem qualidade máxima.

Outro estudo brasileiro, com metodologia similar, encontrou padrão semelhante. A hipertrofia foi equivalente entre os grupos, mas o grupo Split teve significativamente mais dor muscular tardia. Faz sentido: quando você concentra muito volume numa sessão, o dano tecidual é maior.

Talvez o estudo mais libertador que encontrei foi um que comparou pessoas treinando três vezes por semana em dias consecutivos versus dias alternados. Durante 12 semanas, 30 sujeitos fisicamente ativos realizaram o mesmo programa de treino — a única diferença era se descansavam ou não entre as sessões. O resultado? Nenhuma diferença significativa entre os grupos.

Isso significa que aquela preocupação que eu tinha com clientes que mudam a agenda toda hora — treina segunda, quarta e sexta numa semana, terça, quarta e quinta na outra — talvez não fosse tão relevante quanto eu imaginava.


A Meta-Análise que Encerrou o Debate

Em julho de 2024, foi publicada uma revisão sistemática com meta-análise que consolidou essas evidências. A conclusão foi direta: quando o volume é equalizado, não há diferença significativa entre treinar no modelo Split ou Full Body para força e hipertrofia.

Leia de novo: quando o volume semanal total é o mesmo, a forma como você distribui esse volume não impacta significativamente os resultados.

Isso não significa que frequência não importa. Significa que frequência é uma ferramenta para organizar o volume — não um fator independente de crescimento muscular. A meta-análise de Schoenfeld de 2016 já havia mostrado que treinar cada músculo pelo menos duas vezes por semana é superior a treinar apenas uma vez. Mas quando você compara duas, três ou mais vezes por semana com volume equalizado, as diferenças desaparecem.

A meta-regressão mais recente do grupo de Zourdos, publicada em 2024, analisou 67 estudos e confirmou: o volume semanal total é o determinante primário da hipertrofia, com 100% de probabilidade posterior de efeito positivo. A frequência? Menos de 100% de probabilidade para hipertrofia quando o volume é equalizado — compatível com efeitos negligenciáveis ou inexistentes.

Para força, o cenário é um pouco diferente. A frequência parece ter algum efeito independente, provavelmente porque treinar um movimento mais vezes por semana permite mais prática do padrão motor. Mas para hipertrofia, o rei é o volume.


O Limite Prático Por Sessão

Se frequência é apenas uma forma de organizar volume, surge uma pergunta prática: existe um limite de quanto volume podemos fazer por sessão antes que a qualidade comece a degradar?

A resposta é sim. Baseado nas evidências e na minha experiência prática, volumes acima de 10 a 12 séries por grupamento por sessão começam a apresentar retornos decrescentes significativos. Não é que seja proibido fazer mais — é que as séries adicionais tendem a ter qualidade inferior, geram mais fadiga sistêmica, e exigem mais tempo de recuperação.

Mike Israetel, do Renaissance Periodization, sugere uma faixa de 5 a 10 séries por grupo muscular por sessão como zona ótima. Eric Helms, no Muscle and Strength Pyramid, trabalha com recomendações similares: 10 a 20 séries semanais por grupamento, distribuídas em sessões que não excedam esse limite prático.

Na minha prática com clientes de personal — muitos deles mulheres acima de 40 anos — tenho preferido não passar de 10 a 12 séries por grupamento por sessão. Especialmente para exercícios de membros inferiores, volumes muito altos numa única sessão começam a gerar desconforto articular e fadiga que compromete os treinos seguintes.


Volume, Intensidade e Frequência: As Engrenagens que se Conectam

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Essas três variáveis funcionam como engrenagens interligadas. Se eu aumento uma, preciso ajustar as outras. Se meu cliente pode treinar mais vezes por semana, consigo distribuir melhor o volume e potencialmente aumentar o volume total. Se a intensidade de esforço é muito alta (treinos até a falha), preciso de mais tempo de recuperação entre as sessões para o mesmo grupamento.

O objetivo é sempre permanecer na zona de treino ótimo. Pouco estímulo demais resulta em undertraining — você oscila sem nunca progredir de verdade. Estímulo demais sem recuperação adequada leva ao overtraining — a performance cai progressivamente. O truque é encontrar o ponto onde cada sessão representa um estímulo produtivo que o corpo consegue absorver antes da próxima.


Como o Treino AI Aplica Esses Princípios

O algoritmo do Treino AI considera a frequência disponível do usuário como ponto de partida e distribui o volume semanal de forma a respeitar os limites práticos por sessão. Se alguém pode treinar apenas duas vezes por semana, o sistema organiza um volume adequado para essas duas sessões — geralmente optando por treinos Full Body ou Upper/Lower. Se a pessoa treina cinco vezes, a distribuição muda para acomodar mais volume total sem exceder o limite por sessão.

O sistema também considera a relação entre frequência e intensidade de esforço. Treinos com RIR muito baixo (próximos à falha) podem exigir maior intervalo entre estímulos para o mesmo grupamento. O algoritmo ajusta automaticamente essa distribuição baseado no feedback do usuário sobre sua recuperação.


Na Prática: O Que Isso Significa Para Seus Clientes

A principal lição aqui é de liberdade. Você não precisa ficar preso a uma única forma de dividir o treino. O modelo clássico de bodybuilding funciona. O modelo Full Body funciona. Upper/Lower funciona. Push/Pull/Legs funciona. O que determina o resultado é o volume semanal total adequado ao nível do cliente e a qualidade da execução de cada série.

Para clientes que treinam até três vezes por semana, tenho preferido o modelo Full Body. É mais simples de organizar, garante que cada músculo seja estimulado em todas as sessões, e se adapta bem a agendas irregulares.

Para clientes que treinam quatro ou mais vezes, alguma forma de divisão geralmente funciona melhor — não porque seja fisiologicamente superior, mas porque permite sessões mais focadas e muitas pessoas preferem "sentir" que trabalharam determinado músculo. A percepção de esforço localizado aumenta a motivação e a adesão.

O mais importante é lembrar: a quantidade de dias que seu cliente pode treinar é determinada pela vida dele. Sua função é organizar o volume adequado dentro dessa realidade, não o contrário.


Conclusão: Frequência é Ferramenta, Não Destino

Se há uma mensagem central neste artigo, é esta: a ciência nos deu liberdade. A regra rígida das 48-72 horas de recuperação obrigatória não se sustenta como verdade absoluta. Treinar um músculo em dias consecutivos não é problema. Treinar Full Body cinco vezes por semana não é problema. Treinar cada músculo apenas uma vez por semana também pode funcionar — desde que o volume seja adequado e a intensidade permita recuperação.

A pergunta não é "qual frequência é melhor?" A pergunta certa é "qual frequência permite que meu cliente execute o volume necessário com qualidade máxima e recuperação adequada?"

Quando você entende isso, a prescrição de treino deixa de ser um dogma e passa a ser o que sempre deveria ter sido: uma ferramenta adaptável ao contexto de cada pessoa.


Referências Científicas:

  • Schoenfeld BJ, Ogborn D, Krieger JW. Effects of Resistance Training Frequency on Measures of Muscle Hypertrophy: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Med. 2016;46(11):1689-1697. DOI: 10.1007/s40279-016-0543-8
  • Schoenfeld BJ, Grgic J, Krieger J. How many times per week should a muscle be trained to maximize muscle hypertrophy? A systematic review and meta-analysis. J Sports Sci. 2019;37(11):1286-1295. DOI: 10.1080/02640414.2018.1555906
  • Grgic J, Schoenfeld BJ, Davies TB, Lazinica B, Krieger JW, Pedisic Z. Effect of Resistance Training Frequency on Gains in Muscular Strength: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Med. 2018;48(5):1207-1220. DOI: 10.1007/s40279-018-0872-x
  • Pelland JC, Remmert JF, Robinson ZP, Hinson SR, Zourdos MC. The Resistance Training Dose Response: Meta-Regressions Exploring the Effects of Weekly Volume and Frequency on Muscle Hypertrophy and Strength Gains. Sports Med. 2025. DOI: 10.1007/s40279-025-02344-w
  • Dankel SJ, Mattocks KT, Jessee MB, Buckner SL, Mouser JG, Counts BR, Laurentino GC, Loenneke JP. Frequency: The Overlooked Resistance Training Variable for Inducing Muscle Hypertrophy? Sports Med. 2017;47(5):799-805. DOI: 10.1007/s40279-016-0640-8
  • Damas F, Phillips SM, Libardi CA, et al. Resistance training-induced changes in integrated myofibrillar protein synthesis are related to hypertrophy only after attenuation of muscle damage. J Physiol. 2016;594(18):5209-5222. DOI: 10.1113/JP272472

Este artigo faz parte da série sobre os fundamentos da prescrição de treino de força do Treino AI. Para entender como o volume semanal impacta seus resultados, leia também nosso artigo sobre Volume de Treino.