Intensidade de Treino: Carga, Esforço e Autorregulação

Quanto peso você levanta e Quão perto do seu limite você chega são duas informações fundamentais para personalizar sua prescrição.

por Rafa Lund14 min de leitura
Intensidade de Treino: Carga, Esforço e Autorregulação
Sumario

Introdução

A intensidade é uma das variáveis mais importantes do treino de força, mas também uma das mais incompreendidas. Pergunte a dez personal trainers o que é "intensidade" e você provavelmente receberá dez respostas diferentes. Alguns vão falar de suor, outros de carga, outros de "sensação". Essa confusão não é culpa deles — o próprio termo é usado de formas distintas na literatura científica e no dia a dia da academia.

Para prescrever treinos de forma inteligente, precisamos separar dois conceitos que frequentemente se confundem: a intensidade de carga (quanto peso está na barra) e a intensidade de esforço (quão perto do seu limite você chegou naquela série). Entender essa distinção é exatamente o que separa uma prescrição genérica de uma verdadeiramente individualizada.


Intensidade de Carga: O Peso Relativo

A intensidade de carga é tradicionalmente expressa como percentual do 1RM (uma repetição máxima). Se você consegue fazer supino com 100kg em uma repetição máxima e treina com 80kg, está trabalhando a 80% do 1RM. Essa métrica é objetiva, mensurável e amplamente utilizada em estudos científicos.

Durante décadas, acreditou-se que existia uma "zona de hipertrofia" restrita entre 65% e 85% do 1RM. Cargas mais leves seriam "só para resistência" e cargas mais pesadas "só para força". A pesquisa mais recente, no entanto, conta uma história diferente.

Uma meta-análise de Schoenfeld e colaboradores (2017) demonstrou que cargas entre 30% e 85% do 1RM produzem hipertrofia semelhante, desde que as séries sejam levadas próximas à falha muscular. Lasevicius et al. (2018) refinaram ainda mais essa compreensão: cargas abaixo de 30% do 1RM parecem ser subótimas para hipertrofia, estabelecendo esse valor como um possível limiar inferior de estímulo efetivo.

Na outra ponta do espectro, cargas acima de 85% do 1RM aumentam exponencialmente a fadiga e o risco de lesão sem benefícios proporcionais para a hipertrofia (Israetel et al., 2020). Isso não significa que treinar pesado seja ruim — apenas que, para hipertrofia, o "custo-benefício" começa a piorar acima desse limiar.

A conclusão prática é que a faixa de 30% a 85% do 1RM representa o intervalo efetivo de carga para hipertrofia. Dentro dessa faixa, o que mais importa não é exatamente qual percentual você escolhe, mas sim o quão próximo da falha você treina.


Intensidade de Esforço: Proximidade da Falha

Enquanto a intensidade de carga nos diz quanto peso está sendo levantado, a intensidade de esforço nos diz quão desafiadora aquela série foi em relação à capacidade máxima do indivíduo naquele momento.

Pense assim: você prescreve 3 séries de 10 repetições com 60kg no supino para dois alunos diferentes. O primeiro termina a série tranquilo, respiração controlada, poderia facilmente fazer mais 5 ou 6 repetições. O segundo termina ofegante, com a última repetição travando, mal conseguiu completar. Ambos fizeram "3x10 com 60kg" — mas o estímulo foi completamente diferente. Para o primeiro, foi um aquecimento glorificado. Para o segundo, foi uma série próxima do limite.

Agora imagine o mesmo aluno em dois dias diferentes. Na segunda-feira, após um fim de semana de descanso e boa alimentação, ele faz as 10 repetições com 60kg e sente que ainda tinha 3 repetições sobrando. Na sexta-feira, depois de uma semana estressante, dormindo mal e com a fadiga acumulada dos treinos anteriores, os mesmos 60kg parecem 80kg — ele mal completa as 10 repetições. A carga é idêntica, mas o esforço é radicalmente diferente.

Essa distinção entre o peso na barra e o quão difícil aquele peso realmente foi para aquele indivíduo naquele momento é o que chamamos de intensidade de esforço. E por muito tempo, não tínhamos uma forma padronizada de quantificar isso no treino de força.

Da Escala de Borg ao RPE no Treino de Força

A ideia de medir esforço percebido não é nova. Na década de 1960, o fisiologista sueco Gunnar Borg desenvolveu uma escala para quantificar a percepção de esforço durante exercícios aeróbicos. A escala original ia de 6 a 20 (propositalmente desenhada para correlacionar com a frequência cardíaca, onde 6 corresponderia a ~60 bpm e 20 a ~200 bpm). Posteriormente, Borg criou uma versão simplificada de 0 a 10, a CR-10, que se tornou amplamente utilizada na prescrição de exercícios cardiorrespiratórios.

Você provavelmente já viu essa escala em academias: "em uma escala de 0 a 10, onde 0 é nenhum esforço e 10 é o máximo que você consegue, como você classificaria esse exercício?" Por décadas, essa foi a ferramenta padrão para prescrever intensidade no cardio — "caminhe em um esforço 6-7" ou "corra em um esforço 8".

O problema é que a escala de Borg não se traduz bem para o treino de força. No cardio, o esforço é relativamente contínuo e a percepção de "quão difícil está" é intuitiva. No treino de força, cada repetição é um evento discreto, e a pergunta "quão difícil foi de 0 a 10?" não captura bem a realidade de uma série. Uma série pode parecer "fácil" nas primeiras repetições e "impossível" nas últimas.

O RPE Baseado em Repetições de Reserva

A solução veio do powerlifting. Mike Tuchscherer, campeão da IPF (International Powerlifting Federation) e coach de atletas de elite, adaptou o conceito de RPE para o treino de força usando uma lógica diferente: ao invés de perguntar "quão difícil foi?", perguntar "quantas repetições você ainda conseguiria fazer?".

Essa inversão de perspectiva muda tudo. Ao final de uma série, você não precisa traduzir uma sensação subjetiva em um número abstrato — você estima algo concreto: quantas repetições restavam antes de você não conseguir mais levantar o peso. Isso é o que chamamos de RIR (Repetitions in Reserve, ou Repetições de Reserva).

A partir do trabalho de Tuchscherer, Helms, Zourdos e colaboradores (2016) validaram cientificamente essa abordagem e formalizaram a escala RPE baseada em RIR para uso em pesquisa e prática. A lógica é elegante: ao final de cada série, você estima quantas repetições ainda conseguiria fazer antes de atingir a falha concêntrica — o ponto onde você não consegue mais completar uma repetição com técnica adequada.

Esforço Máximo! Nilo poderia fazer nenhuma repetição a mais

Por Que Isso Muda Tudo na Prescrição

A importância dessa ferramenta fica evidente quando olhamos para a variabilidade individual. Cooke et al. (2019) demonstraram isso de forma contundente: em um grupo de 58 indivíduos bem treinados (média de 5.5 anos de experiência), as repetições realizadas até a falha com 70% do 1RM no agachamento variaram de 6 a 26 — uma diferença de mais de 4x entre os extremos.

Pense nas implicações disso. Se você prescreve "3x10 a 70% do 1RM", o aluno que consegue fazer 26 repetições com esse peso vai terminar a série em um RPE 4-5 — praticamente um aquecimento. Já o aluno que só consegue 6 repetições vai falhar na série, incapaz de completar o que foi prescrito. Ambos receberam a mesma prescrição, mas um está sub-treinando e o outro está sendo esmagado.

Agora, se você prescreve "3x10 @ RPE 7-8", ambos os alunos vão ajustar a carga para terminar a série com 2-3 repetições de reserva. O primeiro vai usar mais peso, o segundo vai usar menos — mas ambos estarão recebendo um estímulo adequado para seus corpos naquele dia.


Proximidade da Falha: Quanto é Necessário?

Se treinar mais perto da falha recruta mais unidades motoras e gera mais tensão mecânica, então deveríamos sempre ir à falha, certo? Não necessariamente.

A meta-análise de Refalo, Helms e colaboradores (2022) investigou especificamente essa questão e encontrou resultados surpreendentes: não há evidência de que treinar até a falha muscular momentânea seja superior a treinar com 1-3 repetições de reserva para hipertrofia. O effect size foi de apenas 0.12 (95% CI: −0.13 a 0.37, p=0.343) — estatisticamente não significativo.

Por outro lado, treinar muito longe da falha (5+ RIR) parece comprometer os ganhos. A relação entre proximidade da falha e hipertrofia parece ser não-linear: há um "ponto de inflexão" em torno de 3-4 RIR onde o estímulo começa a ser suficiente, e ir além disso (até a falha) não adiciona benefícios proporcionais.

Refalo et al. (2025), em um estudo mais recente, também demonstraram que treinar até a falha gera maior desconforto percebido e sentimentos mais negativos após o treino, sem vantagens hipertróficas. Isso tem implicações importantes para a aderência a longo prazo — especialmente para populações que já enfrentam barreiras para treinar, como mulheres na menopausa ou pessoas com histórico de abandono do exercício.

A recomendação prática que emerge dessa literatura é clara: a maioria das séries de treino deve ser realizada com 2-3 RIR, reservando a falha para momentos estratégicos — como a última série de um exercício de isolamento, onde o risco é baixo e você quer garantir que extraiu o máximo daquele estímulo.


Acurácia do RPE: Limitações e Soluções

Uma crítica comum ao RPE é que ele é "subjetivo" e, portanto, não confiável. Essa crítica tem fundamento parcial, mas desconsidera nuances importantes reveladas pela pesquisa.

Zourdos et al. (2021) demonstraram que a acurácia do RPE varia conforme a experiência do praticante, a proximidade da falha e o número de repetições da série. Praticantes experientes são significativamente mais precisos que iniciantes. A acurácia também é maior quando se treina mais perto da falha (1-3 RIR) do que quando se treina longe dela (5+ RIR). E séries com menos repetições (mais pesadas) tendem a ser avaliadas com mais precisão que séries de muitas repetições.

Essa última limitação é particularmente relevante: em séries de 15-30 repetições, a fadiga acumulada pode dificultar a estimativa precisa de quantas repetições ainda seriam possíveis. Por isso, para quem treina predominantemente com cargas moderadas (10-15 repetições), calibrar o RPE requer prática deliberada.

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Autorregulação: O RPE Como Ferramenta de Periodização

O conceito de autorregulação vai além de simplesmente avaliar uma série — ele se torna uma ferramenta de ajuste contínuo do treino. Ao invés de aumentar rigidamente a carga toda semana (como em progressões lineares tradicionais), você monitora o RPE e progride quando as séries começam a ficar mais fáceis no mesmo peso.

Se o que era RPE 8 virou RPE 7 com a mesma carga e repetições, é hora de adicionar peso. Isso respeita seu ritmo individual de adaptação e evita tanto estagnação (por ficar tempo demais na mesma carga) quanto overreaching prematuro (por progredir rápido demais).

Helms et al. (2018) demonstraram que essa abordagem de progressão guiada pelo RPE produz resultados comparáveis a métodos de progressão pré-determinados, mas com melhor gestão de fadiga e menor risco de lesão — especialmente em praticantes avançados que não conseguem mais progredir de forma linear.

A autorregulação também permite ajustes baseados em fatores externos: sono ruim, estresse elevado, ciclo menstrual ou qualquer outra variável que afete a performance. Em vez de "empurrar" um treino pesado em um dia ruim (aumentando o risco sem aumentar o benefício), você ajusta a carga para manter o estímulo-alvo no RPE planejado.


Relação RIR-Velocidade: Uma Alternativa Objetiva

Para quem busca uma métrica mais objetiva que o RPE, a relação entre RIR e velocidade de execução oferece uma alternativa promissora. Jukic et al. (2024) demonstraram que é possível estabelecer curvas individuais que relacionam a velocidade média concêntrica com as repetições de reserva.

Na prática, isso significa que se você souber qual é sua velocidade típica em uma repetição com 3 RIR, pode usar essa informação para encerrar a série quando atingir essa velocidade — sem precisar avaliar subjetivamente quantas repetições ainda conseguiria fazer.

No entanto, essa abordagem exige equipamentos de medição de velocidade (como encoders lineares ou apps de análise de vídeo) e tem suas próprias limitações: a relação RIR-velocidade é altamente individual e precisa ser calibrada para cada pessoa e exercício. Por isso, para a maioria dos praticantes e profissionais, o RPE/RIR baseado em percepção continua sendo a ferramenta mais prática.


Como o Treino AI Aplica Esses Conceitos

No Treino AI, incorporamos a avaliação de esforço de uma forma que equilibra rigor científico com praticidade. O padrão-ouro seria perguntar o RIR em todas as séries de todos os exercícios — mas sabemos que, para a maioria dos alunos, isso representa uma carga cognitiva excessiva que prejudica a experiência de treino.

Nossa solução foi perguntar ao final de cada exercício (não de cada série) quantas repetições o aluno acha que ainda conseguiria fazer. Essa abordagem captura a informação mais relevante — a série final, que geralmente é a mais desafiadora — sem sobrecarregar o usuário com inputs constantes.

Sim, isso significa que perdemos alguma granularidade nas séries intermediárias. Mas ganhamos em aderência: um sistema que ninguém usa porque é muito complexo não serve para nada. E os dados que coletamos são suficientes para alimentar os algoritmos de progressão da plataforma, ajustando cargas e volumes com base na resposta real do aluno, não apenas em projeções teóricas.

Essa mesma filosofia se aplica a toda a lógica do Treino AI: transformar a ciência em prática aplicável, sem simplificar ao ponto de perder a eficácia, mas também sem complicar ao ponto de perder a usabilidade. O RPE é apenas uma das variáveis que consideramos — junto com volume, frequência, seleção de exercícios e ordem de treino — para entregar prescrições que realmente funcionam no mundo real.


Aplicação Prática: Um Resumo

Para treinar de forma inteligente usando esses conceitos:

  1. Escolha cargas entre 30% e 85% do 1RM — dentro dessa faixa, o esforço importa mais que o percentual exato
  2. Treine a maioria das séries com 2-3 RIR — próximo o suficiente da falha para garantir estímulo, longe o suficiente para permitir qualidade e recuperação
  3. Reserve a falha para momentos estratégicos — última série de isolamentos, séries de avaliação, ou quando quiser "testar" se seu RPE está calibrado
  4. Use o RPE para guiar progressões — quando o mesmo peso ficar mais fácil (RPE caiu), é hora de aumentar
  5. Ajuste conforme o dia — se você está com sono ruim ou estresse alto, reduza a carga para manter o RPE-alvo ao invés de forçar o peso planejado

Essa abordagem permite acumular volume de qualidade, recuperar melhor entre sessões, e construir uma relação sustentável com o treino ao longo dos anos.


Referências

  1. Cooke DM, Haischer MH, Carzoli JP, et al. Body Mass and Femur Length Are Inversely Related to Repetitions Performed in the Back Squat in Well-Trained Lifters. J Strength Cond Res. 2019;33(3):890-895. doi:10.1519/JSC.0000000000003021

  2. Helms ER, Cronin J, Storey A, Zourdos MC. Application of the Repetitions in Reserve-Based Rating of Perceived Exertion Scale for Resistance Training. Strength Cond J. 2016;38(4):42-49. doi:10.1519/SSC.0000000000000218

  3. Zourdos MC, Klemp A, Dolan C, et al. Novel Resistance Training-Specific Rating of Perceived Exertion Scale Measuring Repetitions in Reserve. J Strength Cond Res. 2016;30(1):267-275. doi:10.1519/JSC.0000000000001049

  4. Refalo MC, Helms ER, Trexler ET, Hamilton DL, Fyfe JJ. Influence of Resistance Training Proximity-to-Failure on Skeletal Muscle Hypertrophy: A Systematic Review with Meta-analysis. Sports Med. 2022;52(12):2757-2772. doi:10.1007/s40279-022-01784-y

  5. Refalo MC, Helms ER, Hamilton DL, Fyfe JJ. The Effect of Proximity-To-Failure on Perceptual Responses to Resistance Training. Eur J Sport Sci. 2025;25:e12266. doi:10.1002/ejsc.12266

  6. Schoenfeld BJ, Grgic J, Ogborn D, Krieger JW. Strength and Hypertrophy Adaptations Between Low- vs. High-Load Resistance Training: A Systematic Review and Meta-analysis. J Strength Cond Res. 2017;31(12):3508-3523. doi:10.1519/JSC.0000000000002200

  7. Lasevicius T, Ugrinowitsch C, Schoenfeld BJ, et al. Effects of different intensities of resistance training with equated volume load on muscle strength and hypertrophy. Eur J Sport Sci. 2018;18(6):772-780. doi:10.1080/17461391.2018.1450898

  8. Jukic I, Helms ER, McGuigan MR. The Use of Repetition in Reserve and Rating of Perceived Exertion in Resistance Training: A Narrative Review and Practical Recommendations. Physiol Rep. 2024;12(2):e15958. doi:10.14814/phy2.15958

  9. Israetel M, Hoffmann J, Davis M, Feather J. Scientific Principles of Hypertrophy Training. Renaissance Periodization; 2020.

  10. Helms ER, Morgan A, Valdez A. The Muscle and Strength Pyramid: Training. 2nd ed. 2019.

  11. Schoenfeld BJ. Science and Development of Muscle Hypertrophy. 2nd ed. Human Kinetics; 2021.


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