Nos últimos anos, o conceito de "cycle syncing" — ou treinar de acordo com as fases do ciclo menstrual — ganhou força nas redes sociais e em aplicativos de saúde feminina. A proposta parece fazer sentido biológico: se os hormônios flutuam ao longo do mês, por que não ajustar o treino para aproveitar esses picos e vales? Influenciadoras, apps e até alguns profissionais recomendam protocolos prontos: fase folicular para treinos pesados, fase lútea para recuperação, menstruação para descanso.
O problema é que, quando olhamos para a ciência com rigor, a história fica bem mais complexa.
O Que Dizem as Revisões Sistemáticas Mais Recentes
Uma umbrella review publicada em 2023 por Colenso-Semple et al. avaliou todas as meta-análises e revisões sistemáticas disponíveis sobre a influência do ciclo menstrual na performance de força e nas adaptações ao treino resistido. A conclusão dos pesquisadores foi clara: "É prematuro afirmar que flutuações de curto prazo nos hormônios ovarianos influenciem de forma apreciável a performance aguda ou as adaptações de longo prazo ao treino de força."
Os autores encontraram resultados altamente variáveis entre os estudos, com efeitos que variavam de triviais a inconsistentes. Mais importante ainda, identificaram um padrão preocupante de práticas metodológicas pobres e inconsistentes na literatura — especialmente no que diz respeito à verificação das fases do ciclo menstrual.
Uma revisão ainda mais recente, publicada em 2025 no Strength and Conditioning Journal por Mikkonen & Häkkinen, chegou a conclusões semelhantes. Os autores afirmam que "a pesquisa atual não suporta a ideia de que periodizar treino de força ou resistência de acordo com o ciclo menstrual confere benefícios adicionais em relação às abordagens tradicionais de periodização."
Os Problemas Metodológicos dos Estudos Mais Citados
Quando defensores do cycle syncing citam evidências científicas, geralmente recorrem a dois estudos principais: Sung et al. (2014) e Wikström-Frisén et al. (2017). Ambos sugerem que treinar com maior volume na fase folicular produziria melhores resultados. No entanto, uma análise mais cuidadosa revela problemas sérios.
O estudo de Sung et al. (2014) utilizou apenas a temperatura corporal basal para "confirmar" a ovulação. Esse método, embora conveniente, é notoriamente pouco confiável. Um estudo clássico de Bauman mostrou que a elevação da temperatura corporal coincidiu com o pico de LH em apenas 22% dos ciclos avaliados. Ou seja, em quase 80% dos casos, a temperatura não refletia com precisão o momento da ovulação.
Já o estudo de Wikström-Frisén et al. (2017) assumiu que todas as participantes tinham ciclos de exatamente 28 dias, com a fase folicular durando precisamente 14 dias e a fase lútea outros 14. Não houve verificação hormonal do momento real da ovulação. Como apontam Colenso-Semple e colegas, "uma prescrição de exercício baseada nessa suposição é uma implementação arbitrária de periodização ondulada quinzenal, não treino baseado em fase do ciclo menstrual."
A Realidade da Variabilidade do Ciclo
Aqui está o ponto central que muitos protocolos de cycle syncing ignoram: o ciclo menstrual é altamente variável, tanto entre mulheres diferentes quanto na mesma mulher ao longo do tempo.
Segundo dados compilados por Colenso-Semple et al. (2023), a fase folicular pode durar de 10 a 22 dias, enquanto a fase lútea pode variar de 7 a 17 dias. Isso significa que a ovulação — o evento que divide o ciclo em suas duas fases principais — pode acontecer no dia 10, no dia 14, no dia 18 ou até no dia 25, dependendo da mulher e do ciclo específico.

A revisão de Mikkonen & Häkkinen (2025) reforça esse ponto, citando a famosa frase do ginecologista Ludwig Fränkel, de 1926: "A única regularidade do ciclo menstrual é sua irregularidade." Quase 100 anos depois, continuamos ignorando essa realidade ao criar protocolos baseados em um ciclo "de livro" que raramente existe na prática.
Além disso, é importante lembrar que nem toda mulher que menstrua regularmente está ovulando. Ciclos anovulatórios — em que a menstruação ocorre sem que tenha havido ovulação — são relativamente comuns, especialmente em atletas e mulheres fisicamente muito ativas. Sem ovulação, o perfil hormonal muda completamente, tornando qualquer protocolo baseado em "fase folicular vs. fase lútea" essencialmente irrelevante.
A Força Não Varia de Forma Consistente Entre as Fases
Uma meta-análise de 2024 conduzida por Niering et al. analisou 22 estudos com 433 participantes para avaliar como a força máxima varia ao longo das fases do ciclo. Os resultados mostraram efeitos pequenos a médios para força isométrica e efeitos pequenos para força isocinética e dinâmica, com a fase folicular inicial sendo a menos favorável.
No entanto, os próprios autores alertam para a necessidade de cautela na interpretação. Apenas um dos estudos incluídos foi classificado como de alta qualidade metodológica. Mais da metade não utilizou amostras de sangue para confirmar as fases do ciclo — ou seja, não sabemos se as participantes estavam realmente nas fases que os pesquisadores assumiram.
"Na média, não há razão para treinar diferente com base na fase do ciclo menstrual. No entanto, um tema comum nessa área de pesquisa é a variabilidade. A duração das fases varia. Os sintomas experimentados em cada fase variam. Como pode parecer clichê, 'ouvir seu corpo' é provavelmente o caminho a seguir."
Então Devemos Ignorar o Ciclo Menstrual?
Absolutamente não. O que a ciência está dizendo não é que o ciclo menstrual é irrelevante, mas sim que protocolos genéricos aplicados uniformemente a todas as mulheres não têm suporte científico.
Algumas mulheres realmente experimentam diferenças perceptíveis em energia, força, humor e disposição ao longo do ciclo. A síndrome pré-menstrual afeta cerca de 40% das mulheres em idade reprodutiva, e uma parcela menor (até 8%) sofre de transtorno disfórico pré-menstrual, com sintomas mais severos. Esses sintomas são reais e podem, sim, afetar a percepção de performance e a qualidade do treino.
A questão é que esses padrões precisam ser avaliados individualmente. Como colocam Mikkonen & Häkkinen (2025): "Atletas e praticantes podem monitorar seus ciclos menstruais para identificar padrões pessoais de sintomas... mas treinar estritamente de acordo com a fase do ciclo menstrual não é cientificamente justificado."
O Que Funciona na Prática
Em vez de seguir tabelas genéricas de internet ou protocolos de apps, a abordagem baseada em evidências envolve três passos:
Primeiro, orientar sua aluna a registrar como ela se sente em cada fase por dois ou três ciclos consecutivos. Isso inclui níveis de energia, qualidade do sono, humor, sintomas físicos e percepção de força durante os treinos.
Segundo, observar se emergem padrões consistentes. Algumas mulheres terão padrões claros — por exemplo, sentindo-se consistentemente mais fortes na segunda semana do ciclo. Outras não apresentarão nenhum padrão discernível.
Terceiro, ajustar volume e intensidade com base nesses dados reais e individuais, não em suposições sobre onde ela "deveria estar" no ciclo. Isso é autoregulação inteligente, não periodização hormonal baseada em achismo.
Como Fazemos Isso na Prática com o TreinoAI
Se protocolos genéricos não funcionam e a individualização é o caminho, como operacionalizar isso de forma inteligente e escalável?
No TreinoAI, desenvolvemos uma abordagem em duas frentes que respeita tanto a ciência quanto a realidade prática de cada mulher.
A primeira frente é a sincronização inicial. Quando a aluna informa que tem ciclo menstrual ativo, o sistema permite que ela registre em que fase está. Isso não significa que vamos aplicar um protocolo rígido de "fase folicular = pesado, fase lútea = leve". Significa que temos um ponto de partida para começar a observar padrões individuais.
A segunda frente — e a mais importante — é o aprendizado contínuo através do RPE. A cada treino, a aluna reporta sua percepção de esforço. O sistema cruza esses dados com a fase do ciclo ao longo do tempo e começa a identificar se existe, para aquela mulher específica, um padrão real de variação de performance.
Se depois de alguns ciclos o sistema percebe que determinada aluna consistentemente reporta RPEs mais altos (mais dificuldade) na semana pré-menstrual, ele pode sugerir ajustes de volume ou intensidade nessa fase específica. Se outra aluna não apresenta nenhum padrão discernível, o sistema simplesmente continua a progressão normal sem interferências desnecessárias.
Essa é a diferença entre periodização baseada em achismo e periodização baseada em dados reais. Não assumimos que todas as mulheres respondem da mesma forma. Deixamos os dados de cada uma guiarem as decisões.
O resultado é uma prescrição que evolui junto com o autoconhecimento da aluna. Em vez de seguir uma tabela genérica que ignora sua biologia individual, ela treina de acordo com o que seu próprio corpo está dizendo — capturado de forma sistemática e interpretado de forma inteligente.
Conclusão
O cycle syncing como protocolo universal não tem suporte na literatura científica atual. Os estudos que parecem apoiá-lo apresentam falhas metodológicas importantes, e as revisões sistemáticas mais rigorosas encontram efeitos triviais ou inconsistentes.
Isso não significa que o ciclo menstrual seja irrelevante para o treino. Significa que a resposta correta é individualizar, não padronizar. A melhor periodização é aquela que respeita a biologia real da sua aluna — não a de um ciclo imaginário de 28 dias com ovulação no dia 14.
Como resume a revisão de Colenso-Semple et al. (2023): "Na ausência de evidências de alta qualidade para suportar o design de programas de treino resistido baseados na fase do ciclo menstrual, treinadores e atletas devem adaptar o plano de exercício ao indivíduo."
A ciência continua evoluindo, e estudos de melhor qualidade metodológica podem eventualmente revelar nuances importantes. Por enquanto, a mensagem é clara: autoconhecimento e autoregulação superam protocolos genéricos.
Rafa Lund
Mestre em Ciências do Desporto | Fundador Grupo LUND
Referências
Colenso-Semple LM, D'Souza AC, Elliott-Sale KJ, Phillips SM (2023). Current evidence shows no influence of women's menstrual cycle phase on acute strength performance or adaptations to resistance exercise training. Frontiers in Sports and Active Living, 5:1054542.
Mikkonen RS, Häkkinen K (2025). Evidence for Periodizing Strength and/or Endurance Training According to Menstrual Cycle Phases to Optimize Female Athlete Performance Is Lacking. Strength and Conditioning Journal.
Sung E, Han A, Hinrichs T, Vorgerd M, Manchado C, Platen P (2014). Effects of follicular versus luteal phase-based strength training in young women. SpringerPlus, 3:668.
Wikström-Frisén L, Boraxbekk CJ, Henriksson-Larsén K (2017). Effects on power, strength and lean body mass of menstrual/oral contraceptive cycle-based resistance training. Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, 57:43-52.
