Treino de Força no Emagrecimento Feminino

O que a Ciência Realmente diz sobre Musculação e Perda de Peso — e Por Que Isso Muda Sua Prescrição

por Rafa Lund9 min de leitura
Treino de Força no Emagrecimento Feminino
Sumario

Treino de força emagrece?

Se você respondeu "sim" sem hesitar, talvez os próximos parágrafos mudem sua perspectiva. Porque a resposta científica é bem mais nuançada do que a maioria dos profissionais imagina — e essa nuance faz toda a diferença na hora de prescrever e, principalmente, de manter sua aluna engajada com resultados reais.

Trabalho com treinamento feminino há quase 20 anos. Atendo dezenas de mulheres, das mais diversas idades e contextos, e o objetivo mais frequente é sempre o mesmo: emagrecer. A tentação natural seria simplesmente colocá-las para "pegar peso" e esperar que a mágica aconteça. Afinal, está em todo lugar: treino de força acelera o metabolismo, constrói músculo, transforma o corpo. A lógica parece perfeita. Mas será que é isso que realmente acontece quando olhamos para os dados?


A Realidade dos Números

A meta-análise de Wewege et al. (2021), publicada na Sports Medicine, analisou 58 ensaios clínicos randomizados com adultos saudáveis praticando treino de força sem nenhuma intervenção dietética. Os resultados foram: redução média de 1,46% no percentual de gordura corporal, perda de 0,55 kg de massa gorda, e redução significativa de gordura visceral. Parece razoável, até você perceber o detalhe crucial que essa média esconde: o peso corporal total praticamente não mudou. Um achado importante dessa meta-análise é que o sexo não foi moderador significativo — homens e mulheres respondem de forma similar em termos relativos.

A meta-análise de Lopez et al. (2022), publicada na Obesity Reviews, foi ainda mais robusta: 114 ensaios clínicos com 4.184 participantes com sobrepeso ou obesidade. Os achados confirmam o padrão: o treino de força isolado produziu redução de aproximadamente 1,0 kg de massa gorda, aumento de 0,8 kg de massa magra, e diminuição de 1,6% no percentual de gordura. O peso total? Estável. A balança não se move porque o ganho de músculo compensa a perda de gordura.

Molinari et al. (2024) focaram especificamente em mulheres jovens saudáveis, analisando 40 ensaios clínicos com 1.312 participantes. Encontraram efeitos de tamanho médio tanto para hipertrofia quanto para redução de percentual de gordura — mas novamente, sem mudança significativa no peso corporal.

Será que com esses resultados — meio quilo de gordura a menos, balança estável — depois de 1 mês, 2 meses, 3 meses de treino, sua aluna estaria feliz?

Ela pode até ter ganhado músculo e perdido gordura em termos relativos, mas se a roupa não está mais folgada e o número na balança não caiu, o que acontece na prática? Frustração. E frustração, no longo prazo, significa perder a cliente.


O Que Realmente Faz a Diferença

Aqui está a verdade que muita gente na educação física não quer admitir: treino de força é excelente — desde que esteja associado à dieta.

Sem déficit energético, treino de força não emagrece de forma significativa. Com déficit energético, treino de força emagrece mais do que fazer só dieta. A grande vírgula que falta em tudo que propagam por aí é essa: treino de força funciona se a aluna está em déficit.

Mas por que não basta só fazer déficit? Se fosse puramente uma questão de gasto calórico, o exercício aeróbico seria sempre superior. Trinta minutos de atividade aeróbica em intensidade moderada gasta quase o dobro de calorias de um treino de força tradicional. Do ponto de vista de gasto imediato, o aeróbico ganha disparado.

O estudo de Beavers et al. (2017) ilustra perfeitamente por que essa conta não fecha assim. Em pessoas mais velhas com obesidade, o grupo que fez apenas dieta perdeu peso, mas perdeu também massa magra — péssimo para quem já está em risco de sarcopenia. O grupo que fez dieta combinada com treino aeróbico perdeu ainda mais peso, mas perdeu proporcionalmente mais massa magra. Já o grupo que fez dieta combinada com treino de força, mesmo gastando menos calorias durante as sessões, perdeu mais gordura e preservou a massa muscular.

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A explicação está no que o treino de força faz além do gasto calórico: ele sinaliza ao organismo que aquele tecido muscular é necessário e não deve ser catabolizado para obter energia. Durante um déficit, o corpo não diferencia entre gordura e músculo como fontes de energia. Sem o estímulo adequado, ele sacrifica ambos. O treino de força é a intervenção que "convence" o corpo a preservar o músculo enquanto mobiliza a gordura.


O Ciclo Vicioso do Reganho

Existe um padrão que observo repetidamente na prática clínica e que passei a chamar de: Ciclo do Reganho de Peso.

A pessoa faz dieta, perde peso, mas perde também massa magra junto com a gordura. Depois, inevitavelmente, recupera o peso — só que recupera predominantemente em forma de gordura, não de músculo. Na próxima tentativa de dieta, ela parte de uma composição corporal pior: menos músculo, mais gordura. E assim sucessivamente.

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Cada ciclo de dieta sem preservação muscular deixa a pessoa metabolicamente mais frágil. O metabolismo basal diminui porque há menos tecido metabolicamente ativo. A capacidade funcional piora. A próxima dieta precisa ser mais restritiva para gerar o mesmo déficit. É uma espiral descendente.

Por isso insisto: o princípio fundamental não é especificamente "fazer treino de força". O princípio é preservar massa muscular durante o emagrecimento. O treino de força é o melhor meio para isso, mas o objetivo real é proteger o ativo mais valioso do metabolismo.


Diferenças Fisiológicas Entre Sexos

Roberts et al. (2020) publicaram uma meta-análise comparando as respostas do Treino de Força entre homens e mulheres. A conclusão surpreende muita gente: em termos relativos, mulheres ganham proporcionalmente tanto músculo quanto homens.

A diferença está no absoluto — homens partem de mais massa e terminam com mais massa. Mas a resposta proporcional ao estímulo é similar entre os sexos.

Além disso, a literatura sobre fadiga muscular, como a revisão de Hunter (2014), mostra que mulheres apresentam características fisiológicas distintas que influenciam a prescrição:

Mulheres tendem a tolerar mais volume de treino por sessão. Recuperam mais rápido entre séries. Conseguem trabalhar com intervalos menores. Respondem bem a faixas de repetições mais altas.

Por quê? Porque têm proporcionalmente mais fibras tipo I, metabolismo oxidativo mais eficiente dentro do músculo, e menor massa muscular absoluta — o que significa menos dano estrutural por sessão e recuperação mais rápida.

Na prática: aquele intervalo de 3 minutos que você prescreve para o homem? A mulher provavelmente não precisa de tanto. Aquele volume que parece "demais"? Ela aguenta — e muitas vezes precisa desse volume para progredir.


A Arte de Individualizar

Copiar protocolos que funcionaram para uma aluna e aplicar em outra é uma armadilha comum. "Deu certo com a Maria, vai dar certo com a Joana." Não vai.

Algumas mulheres ganham músculo com facilidade — precisam de relativamente pouco estímulo para hipertrofiar. Outras precisam de muito mais volume, frequência e atenção para conseguir as mesmas adaptações. São respostas completamente diferentes ao mesmo protocolo.

Por isso trabalho com o que chamo de Tríade ONP: Objetivo, Necessidade, Preferência.

Objetivo é onde a aluna quer chegar — o que ela conscientemente busca. No caso desse texto, seria reduzir gordura.

Necessidade é o que ela precisa, mas muitas vezes nem sabe. Melhorar mobilidade de uma região para agachar melhor, ou adaptar o treino para uma patologia como Diabetes ou Hipertensão — tudo o que o corpo dela demanda, mesmo que ela não tenha consciência disso.

Preferência é o que ela gosta de fazer e vai conseguir manter no longo prazo.

Se ignoro a preferência, perco a aluna em algumas semanas. Se ignoro a necessidade, ela não tem resultado. Se ignoro o objetivo, treino sem direção. Preciso equilibrar os três.

E aqui entra uma verdade inconveniente: em 10 anos de acompanhamento, ninguém melhora linearmente. A pessoa dá um gás para um evento, depois relaxa. Faz uma fase focada, depois afrouxa. É assim que seres humanos funcionam. Aceitar isso e trabalhar com ciclos, desafios e variações estratégicas é mais inteligente do que insistir em protocolos rígidos que a aluna vai abandonar.


O Que Levar Daqui

Se eu pudesse resumir tudo isso em pontos práticos para aplicar na sua prescrição:

Déficit energético é o motor do emagrecimento. Sem ele, treino de força sozinho não move a balança de forma significativa. Com ele, treino de força supera qualquer estratégia isolada porque preserva o músculo enquanto mobiliza a gordura.

Treino de força + déficit é a combinação vencedora. Não porque gasta mais calorias — gasta menos que o aeróbico — mas porque protege o ativo metabólico mais valioso e evita o ciclo vicioso do reganho.

Mulheres toleram mais volume, menos intervalo, mais repetições. Use essas características fisiológicas a favor delas na prescrição, em vez de simplesmente replicar protocolos masculinos.

Individualizar é olhar para o ser humano, não só para os números. Objetivo, necessidade, preferência — sempre os três.


O Propósito Por Trás da Técnica

Tudo isso que discutimos serve para quê?

Para dar força. Confiança. Capacidade.

O treino de força bem prescrito não é apenas sobre estética ou números na balança. É sobre uma mulher de 55 anos que consegue carregar as compras sem pedir ajuda. É sobre uma mãe que brinca no chão com os filhos sem medo de não conseguir levantar. É sobre envelhecer com autonomia, funcionalidade e dignidade.

Quando entendemos a ciência por trás da prescrição, não estamos apenas sendo "baseados em evidência" — estamos sendo melhores profissionais. Estamos entregando resultados reais, sustentáveis, que transformam a vida das pessoas que confiam no nosso trabalho.

E isso, no final das contas, é o que diferencia um personal trainer mediano de um que realmente faz diferença.


Rafael Lund
Mestre em Ciências do Desporto
Lund Trainers | Lund Academy