Volume de Treino: O Guia Definitivo para Prescrever com Precisão

Quantas séries e quantos exercícios seu cliente realmente precisa fazer? Descubra como calcular, progredir e individualizar o volume de treino com base na ciência e na prática clínica.

por Rafa Lund11 min de leitura
Volume de Treino: O Guia Definitivo para Prescrever com Precisão
Sumario

Se existe uma variável que merece atenção especial na prescrição de treinos voltados para hipertrofia, essa variável é o volume de treino. Não porque seja a única que importa, mas porque é provavelmente a mais fácil de ser manipulada e, ao mesmo tempo, a mais mal compreendida pela maioria dos profissionais. Neste artigo, vamos destrinchar o conceito, entender como a ciência evoluiu nesse tema e, principalmente, como aplicar isso na prática com seus clientes.

Afinal, O Que É Volume de Treino?

Volume de treino se refere ao trabalho total realizado. Parece simples, mas a forma de quantificar esse trabalho gera debates até hoje. A literatura clássica define volume como o produto entre séries × repetições × carga. Essa fórmula é matematicamente elegante, mas impraticável no dia a dia. Imagina você calculando que seu cliente fez 60kg × 9 repetições na primeira série, 60kg × 7 na segunda, 60kg × 6 na terceira, somando tudo e comparando entre sessões. Inviável.

Por isso, nos últimos anos, a comunidade científica convergiu para uma métrica mais simples: o número de séries efetivas (ou "hard sets") por grupo muscular por semana. Séries efetivas são aquelas realizadas com esforço próximo à falha, tipicamente com menos de 4 repetições em reserva (RIR < 4). Essa simplificação não é perfeita, mas oferece uma relação custo-benefício excelente entre praticidade e precisão.

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A tabela acima resume bem essa discussão. Contar apenas séries é limitado porque ignora repetições e carga. Multiplicar séries por repetições melhora um pouco, mas ainda ignora o peso utilizado. E a fórmula completa, embora teoricamente ideal, é complexa demais para o cotidiano.

E as Séries Indiretas?

Aqui entra uma questão prática importante: como contabilizar os músculos que trabalham como sinergistas? Quando seu cliente faz supino, o peitoral é o músculo-alvo principal, mas o tríceps também está trabalhando. Essa série conta para o volume do tríceps?

Alguns contam meio set (0,5) para músculos sinergistas. Outros, como fazemos no Treino AI, preferem contabilizar apenas para o músculo-alvo principal do exercício. A justificativa é que isso facilita a contabilização e, como você já sabe que vai prescrever exercícios multiarticulares como base, o estímulo sinergista já está "embutido" no programa. O importante é que você seja consistente na sua forma de contar.

O Modelo Teórico: MEV, MAV e MRV

Antes de entrarmos nos estudos, vale a pena entender o modelo conceitual que organiza o pensamento sobre Volume. Do ponto de vista teórico, acredita-se que "quanto mais volume, melhor — até certo ponto", mas esse ponto não é claro na literatura. Sabemos que a relação de dose-resposta segue uma curva em U invertido, mas não sabemos exatamente onde fica o limite superior, nem se existem limites diferentes para cada músculo, por exemplo. Buscando organizar essa linha de pensamento, Mike Israetel popularizou três conceitos que ajudam a orientar a prescrição.

O MEV (Minimum Effective Volume) representa o volume mínimo necessário para gerar adaptações. Abaixo disso, o estímulo é insuficiente. O MAV (Maximum Adaptive Volume) é o ponto ótimo onde você maximiza os ganhos com a melhor relação entre estímulo e recuperação. E o MRV (Maximum Recoverable Volume) é o limite superior que seu cliente consegue absorver e ainda se recuperar adequadamente para o próximo treino.

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Esse modelo é útil porque deixa claro que mais volume nem sempre é melhor. Existe um ponto a partir do qual o acúmulo de fadiga supera a capacidade de recuperação, e os ganhos começam a diminuir ou até reverter. O desafio é que esses pontos são altamente individuais e dependem de uma série de fatores que vamos explorar mais adiante.

Na prática, a maioria dos profissionais busca trabalhar entre o MEV e o MAV durante a maior parte do tempo, tocando o MRV apenas em fases específicas de overreaching planejado.

O Que a Ciência Diz Sobre a Dose Ideal?

Agora que você entende o modelo teórico, vamos ver como a literatura científica foi evoluindo para quantificar essas zonas.

O Marco Inicial: Meta-Análise de 2017

Em 2017, Schoenfeld, Ogborn e Krieger publicaram uma meta-análise que se tornou referência no tema. O estudo mostrou uma relação dose-resposta aproximadamente linear entre volume de treino e hipertrofia: quanto mais séries, mais crescimento muscular. Cada série adicional por semana foi associada a um incremento de aproximadamente 0,37% no tamanho muscular. Grupos que realizaram mais de 10 séries por semana tiveram resultados superiores aos que fizeram 5-9 séries, que por sua vez superaram aqueles com menos de 5 séries.

O problema é que essa meta-análise foi limitada a volumes relativamente baixos, não conseguindo avaliar o que acontecia acima de 10 séries semanais. A grande pergunta permanecia: até onde essa relação linear se mantém?

O Refinamento de 2022: Volumes Moderados vs. Altos

Em 2022, Baz-Valle e colaboradores tentaram responder essa questão comparando volumes de 12-20 séries versus mais de 20 séries por semana em homens treinados. Os resultados foram interessantes e revelaram nuances importantes.

Para o tríceps, volumes maiores que 20 séries produziram significativamente mais hipertrofia. Para o quadríceps, houve uma tendência favorável ao maior volume, mas sem significância estatística. E para o bíceps, não houve diferença entre as faixas de volume. A conclusão dos autores foi que 12-20 séries semanais por grupo muscular parece ser uma recomendação ótima para a maioria das situações.

Esses achados sugerem duas coisas importantes. Primeiro, que diferentes grupos musculares podem ter necessidades de volume distintas. Segundo, que a forma como o volume é contabilizado pode influenciar os resultados, especialmente para músculos que trabalham como sinergistas em exercícios multiarticulares.

A Meta-Regressão de Pelland (2025): Um Novo Paradigma

A contribuição mais recente e metodologicamente sofisticada veio do grupo de pesquisa do Michael Zourdos na Florida Atlantic University. Pelland e colaboradores (2025) publicaram uma meta-regressão abrangente que analisou 67 estudos com 2.058 participantes.

O grande diferencial desse trabalho foi a proposta de um novo método de quantificação: o volume fracional. Em vez de contar todas as séries igualmente (método "total") ou ignorar completamente as séries indiretas (método "direto"), os pesquisadores testaram um método intermediário onde séries indiretas são contadas como meia série.

Por exemplo, se um estudo mediu a hipertrofia do bíceps e o protocolo incluía 5 séries de rosca direta e 5 séries de remada, o volume seria contabilizado assim:

  • Método Total: 10 séries (5 diretas + 5 indiretas)
  • Método Direto: 5 séries (apenas a rosca)
  • Método Fracional: 7,5 séries (5 diretas + 2,5 indiretas)

Os resultados mostraram que o método fracional teve o melhor ajuste aos dados, sugerindo que séries indiretas realmente contribuem para a hipertrofia, mas de forma reduzida em comparação às séries diretas.

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A análise confirmou que existe uma relação positiva entre volume semanal e hipertrofia, mas com retornos decrescentes conforme o volume aumenta. Isso significa que as primeiras séries que você adiciona trazem mais benefício do que as últimas. O modelo de "raiz quadrada" foi o que melhor se ajustou aos dados, indicando que os ganhos continuam aumentando com mais volume, mas cada vez de forma menos expressiva.

Uma tabela interessante do estudo classifica a eficiência do volume em camadas:

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Para força, os resultados foram diferentes: os retornos decrescentes são muito mais pronunciados, com um platô funcional ocorrendo já em torno de 4-5 séries semanais de exercícios específicos.

Os Estudos de Volume Extremo: Até Onde Podemos Ir?

Dois estudos experimentais merecem destaque por testarem volumes bem acima do habitual.

O primeiro é o de Schoenfeld et al. (2019), que comparou 1, 3 e 5 séries por exercício em homens treinados durante 8 semanas. Como cada participante fazia vários exercícios para o mesmo grupamento, o grupo de maior volume chegou a aproximadamente 45 séries semanais para quadríceps. Os resultados mostraram uma clara relação dose-resposta para hipertrofia, com ganhos maiores nos grupos de maior volume.

O segundo é o de Enes, De Souza e Souza-Junior (2024), que testou uma abordagem progressiva de volume. Ao longo de 12 semanas, um grupo progrediu adicionando séries a cada duas semanas, chegando a aproximadamente 52 séries semanais para os membros inferiores ao final do estudo. Os resultados indicaram que essa progressão agressiva produziu ganhos de força superiores, com tendência de maiores ganhos de hipertrofia também.

A Perspectiva Prática: Por Que Esses Volumes Não São Para Todos

É importante contextualizar esses achados. Esses estudos com volumes extremos foram realizados com foco em apenas um grupamento muscular (principalmente quadríceps). Na vida real, não treinamos apenas um músculo. Se você tentasse aplicar 45-52 séries semanais para cada grupamento do corpo, seria um volume total completamente insustentável.

Esses estudos servem para demonstrar que é possível subir bem mais o volume do que muitos pensavam, contrariando a ideia antiga de que ultrapassar 10-12 séries seria inútil ou até prejudicial. Mas é impossível manter esse nível de volume por períodos prolongados, e sobretudo, é inviável fazer isso com todos os grupamentos simultaneamente.

Na prática, tendemos a usar volumes progressivos ao longo de um mesociclo, observando onde cada aluno começa a apresentar sinais de cansaço excessivo, como queda de performance, dores articulares persistentes ou sensação de esgotamento. Esse ponto é individual e depende de diversos fatores.

O Que Influencia a Capacidade de Volume?

A genética é o primeiro fator. Algumas pessoas simplesmente respondem melhor a volumes altos, enquanto outras se adaptam com menos estímulo. Isso envolve diferenças na composição de fibras musculares, na capacidade de recuperação e na resposta hormonal ao treino.

O nível de treinamento também importa. Iniciantes precisam de menos volume para progredir, enquanto indivíduos avançados geralmente necessitam de estímulos maiores para continuar evoluindo. Isso não significa que avançados devam treinar com volume máximo o tempo todo, mas que seu MEV tende a ser mais alto do que o de um iniciante.

A qualidade do sono e a nutrição são determinantes críticos. Déficits calóricos, falta de proteína ou noites mal dormidas reduzem drasticamente a capacidade de recuperação e, consequentemente, o MRV. Um cliente com volume de vida estressante pode precisar de menos volume de treino do que alguém com rotina mais tranquila.

O estresse total deve ser considerado. Volume de treino não existe isoladamente. Se seu cliente está enfrentando uma semana difícil no trabalho, passou por uma noite mal dormida ou está lidando com questões emocionais, sua capacidade de absorver volume está comprometida. Profissionais experientes aprendem a ajustar o volume conforme o contexto de vida do aluno.

A idade influencia a recuperação. Indivíduos mais velhos geralmente precisam de mais tempo entre sessões e podem se beneficiar de volumes ligeiramente menores, compensados por maior frequência e intensidade moderada.

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Recomendações Práticas

Baseado na literatura atual, aqui estão algumas diretrizes para orientar sua prescrição:

Para iniciantes (menos de 1 ano de treino consistente), 6-10 séries por grupo muscular por semana costumam ser suficientes para gerar ótimos resultados. Começar com menos permite margem para progressão futura.

Para intermediários (1-3 anos de treino), 10-16 séries por semana tendem a ser o ponto ideal para a maioria das pessoas. Alguns podem se beneficiar de até 20 séries para grupamentos prioritários.

Para avançados (mais de 3 anos de treino sério), 16-20+ séries podem ser necessárias, especialmente para músculos que respondem menos ao treino. Mas mesmo aqui, periodização é fundamental.

Independente do nível, a individualização é a chave. Observe os sinais de recuperação, monitore a progressão de carga e ajuste o volume conforme a resposta de cada cliente.

Como o Treino AI Facilita a Gestão de Volume

A contabilização de volume pode parecer trabalhosa quando você prescreve para muitos alunos. É aqui que a tecnologia faz diferença. À medida que você adiciona exercícios ao programa no Treino AI, o sistema automaticamente calcula as séries por grupamento muscular, utilizando a classificação de músculo primário de cada exercício cadastrado.

Isso significa que você consegue visualizar rapidamente se está prescrevendo volume adequado para cada grupamento, sem precisar fazer cálculos manuais. Se adicionar um supino, uma série vai para peitoral (músculo primário). Se adicionar uma remada, vai para dorsais. O sistema mantém a contagem atualizada em tempo real.

Essa automação permite que você foque no que realmente importa: observar seu cliente, ajustar conforme a resposta individual e tomar decisões baseadas em evidências, não em achismos.


Referências

  1. Schoenfeld BJ, Ogborn D, Krieger JW. Dose-response relationship between weekly resistance training volume and increases in muscle mass: A systematic review and meta-analysis. J Sports Sci. 2017;35(11):1073-1082.

  2. Baz-Valle E, Balsalobre-Fernández C, Alix-Fages C, Santos-Concejero J. A Systematic Review of The Effects of Different Resistance Training Volumes on Muscle Hypertrophy. J Hum Kinet. 2022;81:199-210.

  3. Pelland JC, Remmert JF, Robinson ZP, Hinson SR, Zourdos MC. The Resistance Training Dose Response: Meta-Regressions Exploring the Effects of Weekly Volume and Frequency on Muscle Hypertrophy and Strength Gains. Sports Med. 2025.

  4. Schoenfeld BJ, Contreras B, Krieger J, et al. Resistance Training Volume Enhances Muscle Hypertrophy but Not Strength in Trained Men. Med Sci Sports Exerc. 2019;51(1):94-103.

  5. Enes A, De Souza EO, Souza-Junior TP. Effects of Different Weekly Set Progressions on Muscular Adaptations in Trained Males: Is There a Dose-Response Effect?. Med Sci Sports Exerc. 2024;56(3):553-563.